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domingo, 23 de agosto de 2009

Descobertas

Eu remexia a comida, lentamente, com o garfo, sem desviar os meus olhos do prato, sentindo que a minha mãe me encarava, estranhando que não falava. Realmente, não era comum eu ficar em silêncio daquele jeito, mas de alguma forma mastigar e observar o meu almoço parecia mais interessante do que desviar a minha atenção para um diálogo sem nexo, apenas formal o suficiente para uma reunião de família.

Complicado realizar que sua própria mãe poderia ser a cópia de um personagem. Quem diria que logo ela seria aquela que me diz quem ou não amar. Admito que fiquei um tanto perplexa quando descobri, mas ao relacionar os fatos, foi isso que descobri.

Ela ainda me encarava quando levantei da mesma silenciosamente, levando meu parto para a cozinha, deixando-o na pia. Peguei uma colher e uma tacinha de vidro com uma sobremesa e uma xícara de café, ouvindo distantemente uma conversa entre meus pais, sem dar muita atenção as palavras soltas que não faziam sentido para mim. Entrei no meu quarto, sentando na pequena poltrona, encolhendo as pernas, deixando meus pensamentos vagando entre as minhas descobertas.
Desta vez a minha indignação e tristeza rolava solta, juntamente com as minhas lágrimas, sem medo de perguntas indiscretas. Tudo que eu precisava entre as minhas quatro paredes era isso.

Suspirei, secando as lágrimas que ainda existiam, voltando a cozinha, silenciosamente, lavando a louça, imaginando que era só eu naquele lugar, não desviando a minha atenção das bolhas que se formavam nos pratos e copos. Imagens distorcidas percorriam a minha cabeça, me mostrando um passado que eu ainda não tinha reparado.

Estranho descobrir uma coisa assim, de uma hora para outra, mas nada tão complicado. Divertido de uma forma. Me dava novas ideias e novas formas de conseguir as coisas do meu jeito. Eu ri.
Talvez no fim não fosse tão horrível assim, mas a raiva não passaria assim. Teria de ser diplomática daqui para frente; acredito que não seria tão difícil...

Afinal, me bastava estar sozinha entre quatro paredes, não precisava do resto do mundo ao meu lado.

sábado, 22 de agosto de 2009

Sorrisos


Não sei porque, mas novamente estava ali; naquela mesma varanda, num horário incrivelmente cedo. Sentei em um dos degraus da varanda de onde eu tinha uma visão perfeita da praia, do mar e do céu.

Sim, parece uma coisa boba, mas todas essas coisas me levaram a perceber como é fácil sorrir. Só as diferentes tonalidades do céu e o sol refletindo no mar me faziam sorrir, pela sua simplicidade e beleza, inundando em um clima de calma e felicidade por alguns instantes.

Enterrei os pés na areia fofa, sentindo um arrepio ao perceber como ainda era gelada, contrastando com o calor ameno que sentia na pele. Observei o sol que subia rapidamente espalhando um tom alaranjado em tudo que sua luz tocava. Era bonito.

Abracei as minhas pernas, apoiando o queixo nos joelhos, fixando o olhar nas ondas cristalinas que, ao chegarem mais perto, se desfaziam virando pequenas poças, antes de retornarem. Naquele momento eu não sentia nada além de bem estar, mesmo sozinha.
Talvez eu tenha superado de vez a necessidade de ser rodeada por pessoas e aprendi a conviver comigo mesma. Não sei dizer... mas há algo que não dispenso...

Virei a cabeça em direção a porta, sorrindo para o garoto parado ali com uma certa cara de cansado. Ri ao ver ele se arrastando em minha direção, sentando ao meu lado, me abraçando, apoiando seu queixo no meu ombro. Observamos a paisagem, em silêncio, por alguns segundos, quando a sua voz rouca se manifestou pela primeira vez naquela manhã
-Obrigado pelos seus sorrisos!



sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Espera

O guardanapo à minha frente não se parecia mais nada com aquele que havia encontrado quando sentei na mesa. Ele havia perdido a forma e foi brutalmente riscado por uma caneta fina como se fosse uma ameaça. Era isso que a ansiedade misturada com o desapontamento causavam. Larguei o guardanapo ao lado do meu prato, sorrindo cordialmente para o garçom, que perguntava se precisava de mais alguma coisa, negando com a cabeça e agradecendo.

Tomei um breve gole do copo de martini, com os olhos fixos a porta com as últimas esperanças que restavam em mim. Desviei-os por alguns segundos para o meu reflexo no vidro do restaurante. Encarava a mulher com os cabelos escuros e compridos caindo soltos pelos ombros, contrastando com a sua pele branca e o vestido vermelho. Gostei do que vi, até mesmo da expressão indiferente nos seus olhos.

Sorri ao ver que ele havia chegado e se dirigia a mim com uma expressão de felicidade. Tão falso, tão sem sentido. Ele veio em minha direção, fazendo o garçom sorrir, como se dissesse 'Graças, que ele veio', tentando me dar um beijo, ao que eu virei o rosto com um singelo sorriso.
Ele sentou com uma expressão confusa, bebendo alguns goles do copo d'água que já o aguardava na mesa, enquanto eu dava o gole final no martini.

Ouvi algumas palavras que ele pronunciava, que pareciam desculpas pelo seu atraso. Eu fingia ouvir e acreditar ele fingia que estava tudo certo. Quando a mão dele se moveu para o cardápio, abri a minha bolsa tirando o dinheiro e deixando-o em cima da mesa. Ele me fitava desconfiado. Levantei com um sorriso que transparecia uma segurança, sem olhar para ele novamente, deixando a mesa. Ignorei os seus chamados. Senti os seus olhos nas minhas costas e os olhares surpresos de todas as pessoas.

Espero agora estar salva. Acreditar que isso acabou. Aceito bem o fato de ser enganada.
Mas aceito melhor ainda deixar a pessoa que me enganou sem a suas respostas.

Me virei pela última vez na direção dele, vendo ele em pé ao lado da cadeira com os braços abertos, como se esperasse que eu voltasse correndo. Ri baixo, desviando os olhos dele, saindo pela porta de vidro que separava a mentira da verdade.


quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Lágrimas

Eu observava os pequenos flocos de neve caindo em cima da grossa camada que já havia se formado, deixando um brilho branco-azulado na rua vazia. Tudo parecia tão puro, intocado, dando a noite uma calmaria que só eu podia ver e sentir. Estranhamente eu não sentia frio sentada na janela, com as pernas apoiadas em cima do telhado, fazendo pequenas bolinhas de neve. Sim eu seria a única louca a fazer isso no meio da noite, mas aquele cenário me fazia lembrar de todo o meu passado, presente e fazia me imaginar o meu futuro... Como ele seria agora que você se foi para sempre?

Não era mais tão fácil como parecia quando você estava do meu lado. Era tão simples e sem complicações... Jamais vou esquecer do primeiro dia em que te vi e nem do último momento; aquele que me destruiu por inteira ao te ver caído naquela rua. Você escolheu o caminho mais fácil, a morte deveria ser fácil, não é? Espero que sim. Me lembro tão claramente do seu rosto que me dói em pensar que jamais o verei de novo. Eu não consegui dizer adeus e isso me machuca mais ainda.

Abri um pouco mais a janela, sentando de vez no telhado, sentindo os pequenos cristais derreterem na minha pele quente, formando pequenas gotas que iam se misturando com algumas lágrimas que teimavam em cair. Você é um anjo, com esse seu sorriso no rosto. Por favor, me perdoe por chorar, sei que não devo, mas ao observar o final daquela rua e não te ver, me faz ter vontade de te seguir.

A vida é limitada, porém, a lembrança é eterna!